domingo, 10 de agosto de 2014

DURO DE MATAR




Há filmes que são imitados à exaustão, mas nunca envelhecem. Um exemplo perfeito disso é Duro de Matar, o melhor filme de ação policial já feito (Operação França e Bullitt são policiais mas não são rotulados como ação). Em 1987, o diretor John McTiernan surpreendeu o cinema de ação ao colocar Arnold Schwarzenegger sendo caçado por uma criatura de outro planeta em O Predador. O sucesso desse filme abriu as portas para que McTiernan fizesse seu melhor filme (Duro de Matar), aquele que o consagraria, mesmo que ele não voltasse mais com o mesmo fôlego em seus filmes seguintes. Alguns deles até foram bons e fizeram sucesso, tais como: A Caçada ao Outubro Vermelho (1990), Duro de Matar – A Vingança (1995) e Thomas Crown – A Arte do Crime (1999); mas alguns deixaram a desejar, sendo fracassos de bilheteria: O Último Grande Herói (1993), Rollerball (2002) e Violação de Conduta (2003). Ou seja, o diretor promissor de dois dos melhores filmes de ação dos anos 80 perderia o jeito pra esse tipo de cinema. Quando foi lançado, Duro de Matar teve alguns pontos interessantes que chamaram a atenção: 1º - O enredo até então original, colocava um policial competente no lugar errado, na hora errada numa situação errada. Mas errado para ele ou para os bandidos? 2º - Entre vários astros da época, optaram por um ator que vinha de uma série cômica de TV chamada A Gata e o Rato. Mesmo a série sendo um grande sucesso, nada fazia prever que seu astro Bruce Willis se saísse tão bem em algo até então diferente em seu currículo: um filme de ação super acelerado e sem muito tempo pra bate-papos. 3º - Longe de personagens como Rambo ou dos filmes com Schwarzenegger em que os heróis eram brutamontes que atiravam a esmo e pareciam ser imbatíveis, o personagem principal de Duro de Matar, sangra e precisa antes de correr pra briga, correr de seus adversários. 4º - Tanto o policial McClaine quanto os criminosos agem de maneira incrivelmente cínica em vários momentos.
O policial John McClane vai a Los Angeles visitar a mulher e os filhos. Ele  fica hospedado no prédio Nakatomi Plaza em que sua mulher (Bonnie Bedelia) trabalha. Lá está tendo uma festa entre os executivos e funcionários. Ele se instala em um dos quartos sem querer saber da festa. Terroristas invadem secretamente o local e mantém reféns os demais ali. McClaine percebe que algo está errado e tenta descobrir o que é, quando percebe a invasão dos criminosos e tenta detê-los. De início ele age de forma discreta, mas a situação se agrava e ele se vê forçado a encarar os adversários de frente. São terroristas internacionais liderados pelo alemão Hans Gruber (Alan Rickman) que sequestram o prédio para roubar uma altíssima soma em ações financeiras. A situação de McClaine piora quando um inescrupuloso repórter de TV revela que ali no prédio há um policial casado com uma das funcionárias. É quando os terroristas usam esse fator para ameaçá-lo. Depois de muitos tiros e explosões, o FBI tenta intervir, mas se torna mais um alvo do enorme poder de fogo dos bandidos. McClaine recebe ajuda apenas de um policial que lhe auxilia por um rádio.
Duro de Matar é isso, um filme de ação que não nos deixa piscar um único segundo; é ágil e acelerado, além de conter alguns toques de sarcasmos vindos de Bruce Willis. Ele injeta doses de humor em seu personagem, em especial nos confrontos diretos com o líder Hans, como na cena em que McClaine o vê pela primeira vez. Os bandidos não perdoam e atiram até mesmo nos vidros só para verem McClaine sangrar.
Os roteiristas Steven E. de Souza e Jeb Stuart fizeram um ótimo trabalho; nunca um filme de ação funcionou tão bem e deu uma dimensão maior à luta crescente entre policial e bandidos. Tudo aqui é barulhento e movimentado. Quando se pensa que os bandidos deram uma pausa, eis que algum deles sai atirando por uma porta ou janela, não deixando ninguém sossegado. Tudo funciona muito bem, da direção ao elenco. A parte técnica é um primor de perfeição, utilizando de forma brilhante o som e os efeitos sonoros.
Duro de Matar teve quatro seqüências (as 3 primeiras igualmente competentes), mas nunca à altura do original: Duro de Matar 2 (1990), dirigido por Renny Harlin (Risco Total) mostra McClaine num aeroporto invadido por terroristas; Em Duro de Matar – A Vingança (1995), novamente dirigido por John McTiernan, McClaine se une a Samuel L. Jackson pra deter terroristas agindo na cidade de Los Angeles; em 2007, foi lançado Duro de Matar 4.0, dirigido por Len Wiseman (Anjos da Noite 1 e 2) , em que McClaine juntamente com um hacker (Justin Long) tenta evitar que terroristas da informática, armados com o que há de mais avançado em matéria de tecnologia cause um caos em sua cidade; em 2013 lançaram Duro de Matar - Um Bom Dia para Morrer, onde diga-se de passagem é um filme de ação qualquer, que não merece ser associado ao restante da série. O segundo filme da série segue o mesmo ritmo alucinante do primeiro, mas o terceiro cai um pouco, apesar de também ser bom. O quarto filme volta a ficar mais acelerado e abre caminho pra outras continuações. Willis deixou claro que ainda pretende fazer mais um filme dessa série, que deve estrear em 2016.
Duro de Matar foi o filme que abriu as portas ao estrelato para Bruce Willis que até então não havia se destacado muito no cinema. Entre seus maiores sucessos (além da série Duro de Matar) estão: Pulp Fiction (1994) de Quentin Tarantino, Os Doze Macacos (1995) de Terry Gilliam, O Quinto Elemento (1997) de Luc Besson, O Sexto Sentido (1999) de M. Night Shyamalan e Meu Vizinho Mafioso (2000) de Jonathan Lynn. Em 2010 apareceu em uma ponta no sucesso Os Mercenários dirigido por Sylvester Stallone.
O elenco de apoio de Duro de Matar também brilha, com destaque para Alan Rickman (Razão e Sensibilidade) como o líder dos terroristas, e o russo Alexander Godunov (A Testemunha) falecido em 1995 aos 45 anos de idade, que faz o terrorista vingativo que tem seu irmão morto por McClaine.
Duro de Matar foi indicado aos Oscars de melhor som, efeitos sonoros, efeitos visuais e montagem, mas perdeu a maioria desses prêmios para Uma Cilada para Roger Rabbit. Duro de Matar foi posteriormente copiado inúmeras vezes (A Força em Alerta, Morte Súbita, etc.), mas nunca perdeu seu brilho e o posto de melhor filme de ação policial do cinema. 


Nota: 5 de 5

Ttitulo original: Die Hard

Lançamento: 1988 (EUA)

Direção: John McTiernan

Atores: Bruce Willis, Alan Rickman, Bonnie Bedelia, Alexander Godunov, Reginald VelJohnson

Duração: 131 minutos

Ação/policial

sábado, 9 de agosto de 2014

UM LUGAR AO SOL



Charles Chaplin definiu o filme Um Lugar ao sol da seguinte forma: É o melhor filme que assisti na vida. registra a supremacia do cinema sobre todas as outras formas de arte". Não é difícil entender o porquê de tanta admiração vindo do genial Chaplin; afinal, ele se referia a uma obra-prima que resistiu ao tempo e se tornou um dos maiores clássicos da Sétima Arte. Mas de certo modo esse filme não seria tão admirado se não fosse pela genialidade do diretor George Stevens, um dos maiores realizadores do cinema americano de todos os tempos. Stevens acertou em todas as decisões tomadas ao contar a história de George Eastman (Montgomery Clift), um jovem que se muda para uma cidade e busca no tio uma oportunidade para se estabilizar em um emprego. Começa a trabalhar na linha de montagem da fábrica desse tio. Porém, descumpre a primeira regra que lhe é imposto: não se envolver com funcionárias da mesma empresa. Conhece Alice Tripp (Shelley Winters) e mantém secretamente com ela um caso amoroso. Certo dia em uma festa na casa do tio, ele conhece outra jovem, dessa vez da alta sociedade, a bela Angela Vickers (Elizabeth Taylor), iniciando a partir daí um sólido relacionamento com ela. George e Ângela se amam e vivem esse amor, mas o que ele não esperava era que Alice apareceria grávida dele e começaria a pressioná-lo para se casar com ela. George vê seus sonhos desmoronarem; se isso vier à tona ele perde seu emprego no qual estava subindo de cargo e perde também seu grande amor. Num momento de desespero, George planeja a morte de Alice e a convida a um passeio de barco. Durante o passeio, o barco vira, e Alice morre. Depois disso, George vai tentar levar sua vida normalmente ao lado de Ângela. Mas nada fica oculto, e as cobranças começam a aparecer para ele. Cobranças da lei pelo “assassinato” de Alice. Se houve de fato um crime, cabe ao promotor Frank Burlowe (Raymond Burr) avaliar. George vai a julgamento, sendo barbaramente atacado por Frank. O final é um dos mais trágicos, levando à punição um homem que amou demais, ficando a pergunta: a omissão de socorro é um crime? O diálogo perto do final, quando o padre pergunta a George o que foi que esse omitiu a todos mas lhe falaria naquele momento, é a peça chave pra se entender todo o pensamento do condenado em relação ao que aconteveu no momento em que o barco virou.
Baseado no livro Uma Tragédia Americana (1925) de Theodore Dreiser (o autor já era falecido quando o filme foi feito), Um Lugar ao Sol se tornou célebre por vários motivos, um deles era sua história forte e envolvente, na qual falava de ambição, condutas instáveis, rompimentos de regras, intolerância, desobediência e fatalidade. É interessante lembrar que um dos fatores para o declínio do personagem é a desobediência, quando ele rompe com o seu passado religioso e vai de encontro a uma vida de ambições, levando-o à ruína. O filme parece dizer ao personagem George Eastman: “Você tem todo o direito de buscar uma vida de ambições e prazeres, mas esteja preparado para arcar depois com as consequências”. A história é cruel com seus personagens, vai lhes dando alguns momentos de felicidade, para no final só lhes restarem dores e aflições.
Dirigido com maestria pelo consagrado diretor George Stevens, um gênio do cinema, considerado perfeito na condução de atores. Antes de Um Lugar ao Sol, dirigiu filmes como Ritmo Louco Gunga Din e A Mulher do Dia. Depois fez o ótimo faroeste Os Brutos Também Amam, o épico Assim Caminha a Humanidade, o comovente O Diário de Anne Frank (1959) e o bíblico A Maior História de todos os Tempos. Em seus filmes predominam a intolerância e o destino muitas vezes trágico. Ele deu aqui o melhor papel da carreira do excelente ator Montgomery Clift, que está fenomenal no papel do trágico protagonista. Clift em muitas cenas não precisa dizer nada para expressar o que está sentindo, seu olhar diz tudo. A cena do barco por exemplo, em que ele passa pelo dilema em assassinar ou não a moça no qual engravidara, demonstra esse grande talento, entregando uma interpretação brilhante, algo simplesmente magistral. Clift era daqueles atores que era ótimo em todos os papéis. Trabalhou entre outros, com Howard Hawks no ótimo faroeste Rio Vermelho, com Alfred Hitchcock em A Tortura do Silêncio, com Fred Zinnemann e Perdidos na Tormenta e no premiado À um Passo da Eternidade, com Stanley Kramer no contundente Julgamento em Nuremberg e com John Huston em Os Desajustados e Freud – Além da Alma.
Elizabeth Taylor (uma das mais belas atrizes de Hollywood) foi revelada nesse filme e não parou mais de brilhar, em filmes como Assim Caminha a Humanidade (novamente dirigido por George Stevens), Gata em Teto de Zinco Quente (uma de suas melhores interpretações), Cleópatra (um épico que fracassou), Disque Butterfield 8 (primeiro Oscar de sua carreira) Quem tem medo de Virgínia Woolf? (segundo Oscar) e A Megera Domada. Shelley Winters era uma atriz que os diretores gostavam de trabalhar, porque ela dava plena credibilidade a seus personagens. Alguns de seus melhores filmes são Winchester 73, O Mensageiro do Diabo, O Diário de Anne Frank, Lolita e O Destino do Poseidon. Raymond Burr (que faz o promotor) é mais lembrado pelo público como o assassino no clássico Janela Indiscreta de Alfred Hitchcock. Anne Revere que interpreta a mãe do protagonista, está em obras importantes como A Canção de Bernadette e A Luz é para Todos.
Um Lugar ao Sol teve nove indicações ao Oscar, levou seis, nas seguintes categorias: Direção (o primeiro de Stevens, que viria a ganhar novamente por Assim Caminha a Humanidade), Roteiro adaptado, direção de arte em preto e branco, figurino em preto e branco (para a excelente Edith Head), montagem e trilha sonora (para Franz Waxman). Assim como Marlon Brando em Uma Rua Chamada Pecado, Montgomery Clift também dá um show de intrepetação em Um Lugar ao Sol, mas ambos perderam o Oscar pra Humphrey Bogart por Uma Aventura na África.
Um Lugar ao Sol pode ser visto como um estudo sobre o amor, atitudes precipitadas, ambição, ruína, desespero e conseqüências. Mas antes de tudo deve ser visto como uma das maiores obras do cinema mundial. Como todas as grandes histórias de amor do cinema, aqui também o que parecia ser um amor para a vida toda, termina de forma trágica. Imperdível para cinéfilos e também quem busca uma ótima e triste história de amor.


Nota: 5 de 5

Ttitulo original:
A Place in the Sun

Lançamento: 1951 (EUA)

Direção: George Stevens

Atores: Montgomery Clift, Elizabeth Taylor, Shelley Winters, Raymond Burr, Anne Revere.

Duração: 122 minutos

Drama

UMA RUA CHAMADA PECADO




Mais de 60 anos depois, o clássico Uma Rua Chamada Pecado demonstra sua força e fica ainda melhor com o tempo. E não é difícil entender o fascínio que esse filme causa entre os cinéfilos que apreciam um ótimo filme. Aqui temos Marlon Brando em um de seus primeiros papéis, interpretando o temperamental Stanley Kowalski, um homem que domina os sentimentos de sua esposa Stella Kowalski. Stanley é explosivo, imprevisível e rude, mas manipula a esposa através de sentimentos e desejos. Mas este vê as coisas dificultar para o seu lado quando a cunhada Blanche DuBois vai visitá-los. Blanche é o inverso de Stanley, ela é frágil, indecisa e desiludida, uma mulher em busca de respostas, mas fugindo de um passado problemático com o marido que se suicidou. Stella, esposa de Stanley tenta se opor aos anseios deste, mas acaba por sucumbir sempre aos seus truques e provocações, por vezes chantagens emocionais. Blanche não se agrada do comportamento de Stanley, e condena suas atitudes grosseiras. Começa aí um choque de idéias e comportamentos. Mitch, um amigo de Stanley começa a cortejar Blanche e tratá-la com cavalheirismo, indo contra as atitudes do amigo, elevando ainda mais a discórdia naquela casa.
Baseado na peça teatral Um Bonde Chamado Desejo, do dramaturgo americano Tennessee Williams, esse texto é uma das mais contundentes manifestações artísticas dos anos 40, uma obra-prima que o diretor Elia Kazan só fez engrandecer ainda mais em sua versão cinematográfica. Poucas vezes na tela de cinema um filme funcionou de forma tão harmoniosa e perfeita quanto Uma Rua Chamada Pecado. A direção de Kazan é primorosa, uma verdadeira aula cinematogáfica. Kazan é conhecido por ter sido um dos fundadores do Actors Studio, uma associação que tinha por objetivo formar atores com um alto índice de qualidade nas interpretações, o conhecido "método". Inicia no cinema com o emocionante Laços Humanos, ganhou seu primeiro Oscar dirigindo Gregory Peck no sucesso anti-semita A Luz é para Todos (1947). O segundo seria com Sindicato de Ladrões (1954). Sempre conduziu magistralmente seus atores, entre eles James Dean em Vidas Amargas (1954). E é em Uma Rua Chamada Pecado que reside talvez a atuação de um elenco mais magistral da história do cinema. Nunca um filme conseguiu ter atores tão excepcionais em inteira sintonia. Dos quatro atores principais, vamos começar por Marlon Brando, que na minha opinião foi o maior ator do cinema mundial de todos os tempos. Brando era de um carisma fora de série. Sua maneira de interpretar era intensa, única. Aluno do Actors Studio, Brando além de Uma Rua Chamada Pecado, brilhou muito em filmes como Viva Zapata! (de 1952, onde faz um inesquecível mexicano no papel-título, dirigido por Kazan), Júlio César (1953, no papel de Marco Antonio), Sindicato de Ladrões (1954, ganhando seu primeiro Oscar, em outro filme de Elia Kazan), O Poderoso Chefão (1972, ganhando seu segundo Oscar, no qual ele recusou receber), O Último Tango em Paris (1973, uma das maiores interpretações masculinas de todos os tempos) e Apocalypse Now (1979, ele aparece pouco tempo como o transtornado coronel Kurtz, mas é suficiente para roubar o filme). Pra quem gosta do cinema comercial, Brando é mais conhecido pelo filme Superman, onde interpreta o pai verdadeiro do homem de aço. Vivien Leigh fez alguns filmes  e faleceu mais de 30 anos antes do que os outros três atores principais com os quais ela contracena; sua morte foi no ano de 1967. Vivien teve sua primeira aparição no cinema com o célebre clássico ...E o Vento Levou (no inesquecível papel de Scarlett O’Hara), um dos melhores filmes de todos os tempos no qual ela ganhou seu primeiro Oscar de melhor atriz, o que se repetiria em Uma Rua Chamada Pecado. Daí pra frente Vivien já havia se tornado uma das grandes estrelas de Hollywood. Um de seus maiores sucessos foi A Ponte de Waterloo. Karl Malden (falecido em 2009) foi um dos atores mais confiáveis de Hollywood e um dos mais talentosos. Trabalhou em conjunto com Marlon Brando em alguns filmes, entre eles A Face Oculta (1961, único filme dirigido por Brando). Kim Hunter foi a segunda do elenco a falecer (em 2002). Ela é mais lembrada pelo sucesso O Planeta dos Macacos (1968) em que faz a personagem Zira, uma macaca que ajuda os humanos. Por Uma Rua Chamada Pecado Malden e Hunter venceram os Oscars de ator e atriz coadjuvante, respectivamente.
O texto de Tenessee Williams era bastante ousado para a época, pois falava de relacionamentos conturbados, desejos reprimidos (Fica subentendido que Blanche sentia atração por Stanley), insinuações sexuais, tendências homossexuais e vários outros assuntos que pra época era algo que não se discutia em qualquer lugar. O título original A Streetcar Named Desire não foi traduzido corretamente aqui no Brasil, possivelmente por conter a palavra “desejo”, sendo substituído por Uma Rua Chamada Pecado. A peça escrita em 1947 (quatro anos antes do filme) foi encenada nos palcos americanos. por Marlon Brando, Jessica Tandy (de Conduzindo Miss Daisy), Kim Hunter e Karl Malden. Vivien Leigh participou da versão londrina, ao lado de Bonar Colleano e Renee Asherson.
Uma Rua Chamada Pecado é um filme que cresce à medida que a tensão entre seus protagonistas vai aumentando, culminando na cena em que Stanley descobre o segredo do passado de Blanche e não hesita em contar pra todos ali, acabando de vez com aquela mulher amargurada. Entre as cenas mais marcantes, a que mais se destaca é aquela que Brando chega na frente de sua casa e grita: Hey, Stela! Toda essa cena é de um primor extraordinário.
Estranhamente, dos quatro atores principais em cena, Brando foi o único a não ser premiado com o Oscar, perdendo para Humphrey Bogart por Uma Aventura na África. O filme também levou o Oscar de melhor direção de arte. Foram quatro prêmios entre onze indicações.
Uma Rua Chamada Pecado é o maior exemplo de como se adaptar uma peça teatral para as telas sem se tornar chato e cansativo. Um clássico absoluto.



Nota: 5 de 5

Ttitulo original: A Streetcar Named Desire

Lançamento: 1951 (EUA)

Direção: Elia Kazan

Atores: Marlon Brando, Vivien Leigh, Karl Malden e Kim Hunter

Duração: 125 minutos

Drama

SEVEN - OS 7 CRIMES CAPITAIS




Um detetive da divisão de homicídios (Morgan Freeman) às vésperas de se aposentar , recebe um novo parceiro (Brad Pitt) para juntos desvendar um caso estranho de assassinatos em séries. O que era pra ser uma investigação corriqueira, se transforma num complexo quebra-cabeça para ambos. Durante todo o processo de descobertas, eles se dão conta que o assassino, então já classificado como um serial killer, vem matando suas vítimas de acordo com os sete pecados capitais.
Os sete pecados capitais é algo formulado pela antiguidade, que foi reformulado pela Igreja Católica, ficando assim: Inveja, Vaidade, Luxúria, Preguiça, Avareza, Gula e Ira. Partindo disso, esse assassino espalha medo, terror e morte à suas vítimas, não demonstrando nenhum sinal de piedade. Cabe aos dois detetives deter esse psicopata antes que ele espalhe mais carnificina. Mas não será fácil combater um inimigo sem rosto, no qual parece estar sempre à frente de tudo, e que utiliza os métodos mais frios e sanguinários pra fazer o que quer e chamar a atenção de todos. O assassino dá as cartas, espalha pistas que levam às suas vítimas, brinca de gato e rato com seus opositores e em momento algum demonstra estar com medo de qualquer coisa. O detetive mais velho mostra segurança, confiança no que faz, porém percebe que está lidando com algo incomum, e aos poucos vai vendo que seus últimos dias antes da aposentadoria pode significar seus dias mais tenebrosos. O detetive mais novo é curioso, impulsivo e só quer a qualquer custo pegar o assassino. Em contraponto a esses momentos de tensão, a esposa do parceiro jovem quer oficializar essa nova parceria de seu marido, convidando o velho e experiente detetive pra jantar em sua casa. São momentos raros de descontração, em meio ao terror que os assolam. E terror maior virá em forma dos piores pesadelos para todos os envolvidos, quando, numa jogada inesperada, o assassino lhes arma uma estratégia fria e calculista e mostra que tem tudo planejado desde o início. No final, o assassino demonstra toda sua frieza e inteligência, numa atitude totalmente inesperada, elevando ao extremo tudo o que ele havia feito até então.
Seven é isso: uma caçada a um assassino impiedoso. Tudo mostrado de forma crua e sem restrições. Em 1991, o filme O Silêncio dos Inocentes mostrava a caçada de uma agente do FBI a um serial killer. A investigadora contava com a ajuda (nem tanto) de outro psicopata. Aqui, os dois detetives não têm essa sorte e precisam buscar pistas em tudo que há pela frente. Qualquer um pode ser vítima de um assassino cruel, independente de classe ou raça. Aqui, as vítimas são escolhidas de acordo com suas limitações humanas, ou seja, dentro de seus próprios erros. A mulher vaidosa tem seu nariz “empinado” arrancado; o “guloso” é obrigado a comer até morrer; o “preguiçoso” é amarrado em uma cama por um ano inteiro; e por aí vai.
O diretor David Fincher utiliza recursos interessantíssimos, tais como:
*Nunca mostrar o serial killer executando alguém.
*Colocar um clima chuvoso ou escuro em quase todas as cenas.
*Fazer com que uma pista vá levando a outra, de forma bem convincente.
*Mostrar que o assassino está mais próximo dos investigadores, sem que os mesmos se deem conta disso.
*Um clima pesado e torturante o tempo todo.
*Os letreiros iniciais e finais são bastante originais.
Fincher é um dos poucos diretores de Hollywood que ousa fugir das fórmulas convencionais e dá uma roupagem única e original a seus filmes. Seu primeiro longa-metragem foi Alien 3 (um filme pouco admirado), depois vieram: Seven, Vidas em Jogo (com Michael Douglas e Sean Penn), Clube da Luta (com Edward Norton e novamente Brad Pitt), O Quarto do Pânico (com Jodie Foster e Kristen Stewart, Zodíaco (outro filme de caçada a um serial killer, estrelado por Mark Ruffalo, Jake Gyllenhaal e Robert Downey Jr.) e O Curioso Caso de Benjamin Button (terceira parceria com Brad Pitt).
O roteiro de Andrew Kevin Walker é nada menos que excepcional, um trabalho de profundo profissionalismo, um dos melhores dos últimos anos. Um texto intenso que em momento algum derrapa em demagogias ou momentos desnecessários à trama. Une-se a essa excelente história, a fotografia exuberante de Darius Khondji e a montagem paralisante de Richard Francis-Bruce. Lembrando que, mais uma vez o Oscar escorrega feio e só nomeia Seven à indicação de melhor edição. A trilha sonora é outro elemento que faz com que o filme cresça a cada momento, dando um clima mais agonizante.
O elenco também é ótimo: Morgan Freeman passa segurança e firmeza como o detetive a beira de se aposentar. Brad Pitt equilibra um ótimo contraponto com seu colega, entregando uma interpretação bastante convincente. Sua esposa, feita por Gwyneth Paltrow equilibra um pouco de doçura ao filme, toda vez em que ela aparece nos sentimos um pouco mais aliviados com todo aquele terror ali ao redor.
Seven é um filme complexo, angustiante, tenso e com um dos finais mais inesperados e impactantes dos últimos 30 ou 40 anos. É um desfecho que não dá espaço para que possamos respirar mais tranquilamente depois de passarmos duas horas torcendo pela captura do assassino. Falar mais a respeito seria estragar grandes surpresas. Só posso dizer que é um final corajoso que demonstra apenas uma das inúmeras qualidades dessa obra-prima de um diretor que não se vende ao cinemão fácil e mastigado que costumamos ver pipocando por aí.
Um filme que sintetiza os maiores medos do ser humano em relação ao inesperado, e que faz pensar e refletir, sendo recomendando especialmente pra quem tem estômago forte.


Nota: 5 de 5

Ttitulo original: S7ven

Lançamento: 1995 (EUA)

Direção: David Fincher

Atores: Brad Pitt, Morgan Freeman, Gwyneth Paltrow, Kevin Spacey, R. Lee Ermey

Duração: 126 minutos

Suspense/policial

AMOR, SUBLIME AMOR




O diretor Robert Wise era conhecido por filmes de suspense, aventura e ficção, mas nada faria crer que ele se superaria naquele que é considerado sua obra-prima: Amor, Sublime Amor, ou West Side Story como é mais conhecido.
Os musicais estavam saindo de moda, os grandes espetáculos de dança e músicas pareciam estar com os dias contados. Clássicos como Cantando na Chuva, Sete Noivas para Sete Irmãos, Sinfonia de Paris e Sapatinhos Vermelhos eram imbatíveis, e o gênero estava se desgastando, como demonstrou o irregular Gigi de 1958, que apesar de ganhar 9 Oscars, fica bem aquém dos melhores musicais de Hollywood. Eis que Wise se une ao consagrado coreógrafo Jerome Robbins para adaptarem o sucesso da Broadway que colocava a história shakesperiana de Romeu e Julieta em pleno anos 50. Wise era um diretor determinado, talentoso (havia sido montador em início de carreira, onde editou entre outros, Cidadão Kane) e sabia bem o que queria em cena. Pra isso, não mediu esforços e se empenhou ao máximo para que tudo se encaixasse perfeitamente. Conta a história de duas gangues: Os Sharks (Porto-riquenhos) e os Jets (Anglo-saxônicos) em luta diária pelos mais diversos motivos. O filme já começa em rivalidade entre eles, tudo mostrado em forma de dança. Aos poucos vamos conhecendo cada um deles. Num baile, ficamos mais próximos do casal Tony e Maria, que desencadeará todo o drama da obra (representados como os Capuletto e os Montechio da famosa peça de Shakespeare). A cena em que eles se vêem pela primeira vez é antológica e define bem o “sublime” do título em português. Aliás, esse título é um pouco infeliz, e deixa a desejar. Dali nasce uma paixão que será o pivô de uma grande tragédia. Tony é o melhor de amigo de Riff, líder dos Jets, e Maria é irmã de Bernardo, líder dos Shark. Sua história de amor é marcada por preconceitos e pela disputa entre duas gangues rivais que se confontam cegamente pelas ruas de Nova Iorque, onde um policial tenta a todo momento detê-los. Mas o ódio entre eles é mais forte do que a compreensão de que há algo errado com aquelas brigas inúteis. O final é inesquecível e carrega uma carga dramática que transcende a própria arte cinematográfica; é de uma comoção fora de qualquer conceito crítico, algo formidável que preenche toda a tela do mais puro lirismo, entre uma trilha sonora melancólica que expressa toda a dor daquela cena. As danças são fortes, intensas, com um vigor impressionante, exalando fúria e emoção de acordo ao momento. Repare como eles extravasam suas raivas através da dança e das canções. Aquelas explosões de desabafos são colocadas pra fora em meio a dança na sua forma mais visceral. Quem tem o cuidado de assistir a um filme em forma de análise, vai perceber esses detalhes que tornam esse filme um dos mais fortes manifestos da dor e da paixão que o cinema já mostrou. Os números musicais (que não são poucos) estão entre os mais belos de todos os tempos. Lembrando que, quem não gosta de filmes musicais deve passar bem longe desse aqui, ou irá se decepcionar bastante. Não é um filme popular, mas sim um espetáculo audiovisual belíssimo. Talvez o maior épico-musical, o mais rebelde exemplar de uma arte em movimento que jamais foi superado.
Os atores foram selecionados criteriosamente, à exceção de Richard Beymer (que faz o mocinho Tony). Wise anos depois diria que este não havia sido uma boa escolha. Beymer vinha do belo e dramático O Diário de Anne Frank (1959) e tinha jeito de galã. Em minha opinião ele não compromete em nada, ainda que realmente seja um ator muito limitado. Natalie Wood substituiu Audrey Hepburn, que estava grávida. Natalie (que no mesmo ano brilhou também no belíssimo Clamor do Sexo) é encantadora, e sua Maria é frágil e ao mesmo tempo decidida. Russ Tamblyn que faz o líder dos Jets havia feito O Pequeno Polegar (1958). O casal de porto-riquenhos que dá maior credibilidade e carga enérgica e emocional ao filme, é feito por George Chakiris e Rita Moreno (ambos foram premiados com os Oscars de Coadjuvantes). O resto do elenco é perfeito. Todos sabem dançar e demonstram isso da melhor forma possível.
Mas Amor, Sublime Amor não seria esse espetáculo todo se faltasse um dos principais ingredientes: a trilha musical do excepcional maestro Leonard Bernstein. Suas músicas são nada menos que excelentes e dão um tom de alegria (em algumas partes do filme) e tristeza (perto do final). As canções Something's Coming, Maria, América, I Feel Pretty, One Hand, One Heart, Somewhere e principalmente Tonight são simplesmente inesquecíveis.
Vencedor de nada menos que dez Oscars: filme, direção, ator coadjuvante, atriz coadjuvante, fotografia, montagem, direção de arte, figurino, som e trilha sonora, é também sempre eleito como um dos maiores filmes da história, não só do gênero musical, mas no geral. E isso é mais que justo e compreensível, pois se trata de uma obra-prima indiscutível.
O diretor Wise voltaria ao gênero em 1965, com o também belo musical A Noviça Rebelde, onde sairia novamente premiado com o Oscar de direção. Aliás, A Noviça Rebelde fechou com chave de ouro o ciclo dos musicais clássicos da era de ouro de Hollywood. Mas não se compara a beleza e esplendor de Amor, Sublime Amor, um filme genial que é sinônimo de explosão de arte, paixão e criatividade como poucas vezes foi visto nas telas do cinema.


Nota: 5 de 5

Ttitulo original: West Side Story

Lançamento: 1961 (EUA)

Direção: Robert Wise & Jerome Robbins 


Atores: 
Natalie Wood, Richard Beymer,  George Chakiris, Rita Moreno, Russ Tamblyn

Duração: 151 minutos

domingo, 13 de julho de 2014

FREUD - ALÉM DA ALMA




O filme começa no ano de 1885. O jovem Freud cuida de pacientes com histerias. Com ideias contrárias ao diretor Meynert, do hospital onde trabalha, Freud decide ir a Paris. Lá, ele se admira com as teorias de Chacort, onde este demonstra aos seus alunos que, seus pacientes com problemas mentais, utilizando neles o processo de hipnose, lhes fariam reverter alguns traumas. Charcot hipnotiza suas “cobaias” e atesta que o inconsciente personifica uma vontade maior que comanda suas ações. Esses pacientes eram cheios de traumas e neuroses, e uma vez que a hipnose buscava a origem desses traumas,  seus problemas de algum modo poderiam ser resolvidos. Pouco depois, Freud retorna a Viena e se casa com Martha Bernays.
Em uma palestra, demonstrando suas novas descobertas acerca do elo consciente/inconsciente e suas tentativas de achar a origem do problema. Freud não obtém sucesso, mas fica amigo de Josef Breuer, seu futuro mentor e protetor. Breuer lhe fala sobre uma de suas pacientes, chamada Cecily Koertner, que tem um estado grave de perturbação histérica, e a apresenta a Freud. O jovem médico então fica conhecendo a paciente, que pouco tempo depois será seu objeto de estudos e a força maior de suas descobertas.
Freud vai analisar o caso de um rapaz chamado Carl Von Schlossen, que tentou assassinar o próprio pai, um general. Ali, usando técnicas de hipnose, Freud descobre que Carl tem um desvio inconsciente de desejo pela mãe. Chocado, Freud abandona o caso. Ao se dar conta que deveria ter ido adiante, ele retorna a casa do paciente, mas é informado que o mesmo se suicidara. Freud ligando o caso do jovem ao caso de Cecily, começa a formular sua tese do Complexo de Édipo (e de Hamlet de William Shakespeare, como alguns estudiosos sugerem), no qual um menino tem repulsa pelo pai e desejo pela mãe. Lembrando que, na tragédia Édipo Rei escrita por Sófocles há cerca de dois mil anos atrás, Édipo mata involuntariamente seu pai e se casa com sua mãe.
Seu pai tendo falecido, Freud descobre em si mesmo um bloqueio que lhe impede de se aproximar do túmulo do pai. Ele começa uma autoanálise, especulando que o pai poderia ter abusado da própria filha, e que o próprio Freud teria visto e criado um bloqueio que só se manifestaria anos depois. Mesmo tendo Breuer contra essa idéia, Freud mergulha a fundo e supõe que tudo acontecera em uma viagem de trem quando ele e seus irmãos eram pequenos. Mas durante uma conversa com sua mãe, esta lhe conta que durante a viagem de trem, sua irmã imaginada por Freud como vítima sexual de seu pai nem havia nascido ainda. Com essa revelação, Freud percebe que falta algo para ele montar o enigma da natureza sexual do inconsciente. Freud tem pesadelos no qual é puxado por Carl pra dentro de uma caverna, posteriormente esse sonho vai mudando de perspectivas.
Em hipnoses feitas por Breuer, tendo Freud ao seu lado, foi constatado algo que mudaria os rumos das análises feitas com Cecily. Esta é hipnotizada e conta que, estando em sua casa, ouve alguém bater em sua porta tarde da noite, eram dois médicos avisando que seu pai estava morrendo, eles então a levam ao hospital. Entrando ali naquele hospital católico, ela vê as freiras cantando pelos arredores. Ao entrar no quarto onde seu pai estava, já o avista morto numa cama. Freud diz a Breuer que tal história é questionável, dizendo-lhe que médicos não vão nas casas das pessoas pra avisarem de ocorrências em seus hospitais. Freud então assumindo naquele momento a hipnose, tem aí finalmente a verdade revelada: Aquela moça ouve realmente alguém bater tarde da noite em sua porta, mas os médicos dão lugar a policiais, que lhes avisam que seu pai está morrendo em um hospital. Eles a levam e, entrando ali se constata que freiras não ficariam cantando em um hospital altas horas da noite, as freiras então dão lugar a prostitutas, e o hospital na verdade vem a ser um bordel.
Breuer, preocupado com as investidas de Cecily e temendo perder seu casamento por causa disso, pede para que Freud assuma seu lugar. Nas várias consultas àquela moça, Freud descobre que ela carrega algo reprimido sexualmente desde a infância.
Freud percebe que Cecily resiste às sessões de hipnose e decide então tratá-la com análises, lhe fazendo perguntas acerca de sua infância com seu pai, buscando na livre associação, a resposta que ele tanto deseja. Ela lhe fala de um sonho que tivera na noite anterior, no qual há um emblema médico, com uma frase abaixo, por ali, um homem foge de alguma coisa e se lança correndo por uma praia e desaparece, e sua mãe em uma torre lhe diz algo de conotação repreensiva e ao mesmo tempo sexual. Freud usa interpretação de sonhos para tentar dar sentido a tudo aquilo. Ela lhe conta ainda que seu pai, que tinha fascínio por prostitutas, lhe colocava pra dormir com ele, enquanto que, sua mãe lhe causava repúdio. Freud constata que a jovem na infância era molestada pelo pai e dá como diagnóstico essa resposta. Mas no dia anterior ele descobre que ela não estava curada. Assim, ele busca a resposta para isso. Através de sua esposa Martha, ele percebe que a verdade às vezes pode ser o inverso, e descobre a origem de seu próprio problema de infância em relação a seu pai. Na verdade seu pai não havia molestado ninguém. O que aconteceu foi o seguinte: Quando era bem pequenino, Freud está na cama de sua mãe a vendo trocar de roupa, aquilo lhe gera um anseio sexual. Quando ela vai deitar ao lado dele, de maneira natural sem nenhuma intenção sexual, o pai chega ao quarto naquele momento e busca a esposa, indicando que o pequeno Freud poderia dormir sozinho. Era o pai (repulsivo) arrancando a mãe (desejo sexual) de ficar perto dele. Freud então retira a culpa de seu pai, e voltando a sua paciente Cecily, esta lhe diz que mentiu sobre o pai e que ela é quem sentia atração pela figura paterna.
Pouco depois, Freud, contrariando a vontade de seu mentor Breuer, discursa numa nova palestra e diz a todos ali suas teorias sobre o inconsciente sexual infantil e outras descobertas, dando origem à psicanálise. Freud vê seus colegas vaiá-lo e Breuer dizer a todos ali que não concorda com suas teorias.
O filme termina com Freud finalmente conseguindo se libertar de seus traumas visitando o túmulo de seu pai.
Após vários livros biográficos sobre Freud, publicados nos anos 50, inclusive um escrito pelo filósofo Jean Paul Sartre, e alguns textos autobiográficos e cartas traduzidos para o inglês, a figura de Freud (o lado mais humano dele) é desvendado e torna-se algo de cunho interessante e curioso.
O diretor John Huston, conhecido por seus filmes cheios de intrigas e aventuras, como O Falcão Maltês, O Tesouro de Sierra Madre, O Segredo das Jóias, Uma Aventura na África e Moby Dick, convidou Sartre para escrever o roteiro de seu novo filme sobre Freud. Sartre passa uns dias na casa de Huston, preparando esse roteiro, mas como o filósofo francês gostava de escrever sem parar, acabou criando uma história enorme. Huston sabia que aquele material todo seria algo em torno de 7 horas no mínimo de filme (algo fora de cogitação, uma vez que um filme de quatro horas já é considerado muito longo). Huston pede para o amigo diminuir seu texto, mas depois de modificar bastante, Sartre se recusa a continuar e pede para que seu nome não conste nos créditos do filme.
De fato, Huston condensa bastante o roteiro escrito por Sartre. Esse roteiro foi publicado posteriormente na íntegra por Sartre, com o mesmo nome do filme: Freud – Além da Alma. O personagem Carl Von Schlossen é fictício, na verdade esse paciente é uma junção de vários outros pacientes que Freud tinha em sua vida. Cecily também é fictícia, ela na verdade é uma variação de Ana O. (pseudônimo de Bertha Pappenheim uma de suas pacientes mais famosas) e outras pessoas que foram tratadas por Freud. Ana O. seria de papel fundamental na catarse que posteriormente viria a ser um dos pilares para a criação da psicanálise. Na verdade, esse filme se concentra em 5 anos da fase mais prolífica de Freud, quando ele fez inúmeros estudos e descobertas que fariam dele um dos homens mais importantes da ciência médica do final do século 19 e século 20.
Afinal de contas, o filme Freud – Além da Alma ajuda a compreender um pouco as teorias de Freud? Bom, a resposta é sim e não. Sim porque abrange assuntos como neuroses, histerias, desejos reprimidos, inconsciente sexual e interpretação dos sonhos. E não, porque o filme resume em 5 anos o que Freud demorou quase duas décadas para descobrir, ou seja, Huston não condensa apenas os fatos, ele condensa também o tempo em que eles ocorreram. Mas num resultado final, isso não tira o mérito do filme, pelo contrário, ajuda a não torná-lo cansativo e didático demais, até mesmo porque não se trata de um documentário, mas sim de uma obra ficcional baseando-se na realidade. No cinema algumas coisas precisam ser remontadas e mostradas de forma mais artística. Por exemplo: Freud era um neurologista que desenvolveu técnicas nas áreas de psicologia, psicopatologia, fisiologia, hipnose etc., até desenvolver a psicanálise. Imagine aí todos esses elementos médicos e científicos abordados em um único filme; certamente ficaria algo excessivamente acadêmico e cansativo ao grande público que não conhece a fundo as teorias freudianas. O objetivo maior desse filme é mostrar que Freud foi um homem dedicado em sua área, que mudou os conceitos de seu tempo, e criou a psicanálise (um termo que até então não era conhecido).
Tendo seu roteiro já pronto, Huston chama para o papel de Freud, um dos melhores atores americanos daquele tempo: Montgomery Clift, que já havia trabalhado com Huston em Os Desajustados.(1961). Clift havia tido um grave acidente de carro alguns anos antes; esse acidente deixou marcas em seu rosto, lhe tirando um pouco as expressões faciais. Mas isso não impede que ele tenha uma interpretação magistral no papel de Freud. Aliás, o próprio Clift em sua vida particular, se encaixaria perfeitamente no perfil de alguns pacientes de Freud. Clift tinha problemas com álcool, drogas medicinais e tinha que conviver com seu homossexualismo. Mas nas telas era um monstro sagrado. Para o papel de Cecily, é chamada a jovem atriz Susannah York (mais lembrada como a mãe kriptoniana de Kal-El ou Clark Kent em Superman - O Filme). A fotografia ficou a cargo do ótimo Douglas Slocombe (diretor de fotografia dos três primeiros filmes de Indiana Jones, entre outros). A trilha sonora é do consagrado Jerry Goldsmith. O roteiro ficou sobre a responsabilidade de Charles Kaufman (não confundir com outro roteirista atual de mesmo nome) e Wolfgang Reinhardt (lembrando que Sartre ficou de fora dos créditos, por vontade própria). A narração é do próprio John Huston.
Indicado aos Oscars de Roteiro original e trilha sonora, Freud – Além da alma continua atual e impactante quase meio século depois. Huston violou algumas censuras da época e mostrou cenas ousadas (não eróticas) para a época e termos científicos até então vistos apenas em livros.
Alguns acham que Freud foi um pervertido, arrogante, pretensioso e exibicionista. Outros o têm como um gênio que revolucionou a medicina, em sua determinada área de atuação: neuroses, histerias, inconsciente, sexualidade reprimida, etc.
Freud – Além da Alma ficou por muito tempo inacessível ao grande público, sendo transmitido aqui no Brasil por canal de TV paga. Nunca saiu em VHS e só foi lançado em DVD no ano de 2009. Nos Estados Unidos foi lançado em DVD há pouco tempo. Eu já havia visto antes pela TV, mas pude rever recentemente em seu formato original em widescreen, preservando melhor sua belíssima fotografia e trilha sonora. No DVD tem como extra um comentário bem esclarecedor do professor Renato Mezan, da PUC-SP, sobre esse filme. Vale muito a pena conferir.

Nota: 4 de 5

Ttitulo original: Freud

Lançamento: 1962 (EUA)

Direção: John Huston

Atores:  Montgomery Clift,  Susannah York,  Larry Parks, Susan Kohner, David McCallum

Duração: 139 minutos

sexta-feira, 4 de julho de 2014

CONSCIÊNCIAS MORTAS




O Ano é 1885, dois forasteiros chegam a uma cidade e descobrem que algo ali está tirando a calma daquelas pessoas. Depois de alguns minutos, eles ficam sabendo que um grande fazendeiro dali foi assassinado por ladrões de gado. Suspeitos a princípio, eles são informados que os novos suspeitos estão acampados em um lugar próximo dali. Algumas pessoas então se armam e vão atrás dos criminosos. Os forasteiros os acompanham. Mas o que deveria ser uma captura se torna algo inesperado para aqueles dois homens de passagem pela cidade. Aqueles cidadãos aparentemente pacatos e justos estão ali não para prender os três suspeitos, mas para fazerem justiça com as próprias mãos. O linchamento é inevitável. O que vemos são aquelas pessoas fazendo um pré-julgamento daqueles três homens suspeitos, sem muito direito ou tempo pra se defenderem. Durante o pouco tempo que os réus têm para se defenderem, são feitos todos os tipos de acusações contra eles. Os dois forasteiros indignados, pouco têm a fazer, mas mesmo assim não medem esforços pra tentarem convencer aquelas pessoas a deixar a lei decidir o destino dos suspeitos. Durante todo esse processo de perguntas e respostas, vemos cair as máscaras daquelas pessoas, em especial o major autoritário que coloca sempre seu filho em situações de constrangimentos. O final é de estarrecer até mesmo aos mais céticos. É uma conclusão amarga e desesperançosa.
O interessante aqui, é que esse filme tem mais de 70 anos e continua super atual. Não se engane quem pensa que, por ser um faroeste, encontrará só tiros e cavalos correndo, a história é disfarçada de faroeste, sendo que no fundo é um drama sobre pessoas falhas, que poderia e pode acontecer a qualquer momento e em qualquer lugar. Dirigido pelo especialista William A. Wellman, que fez Asas (1928, a primeira produção a ganhar o Oscar de melhor filme), e estrelado pelo excelente Henry Fonda no papel do forasteiro de maior destaque; é ele quem tenta a todo o momento abrir os olhos daquelas pessoas cegas por vingança e conscientizá-los do terrível engano que eles podem estar cometendo. Consciências Mortas é um libelo pela vida e uma denúncia da inescrupulosidade humana. O filme não defende atos errôneos praticados por criminosos, ele apenas mostra que todos merecem um julgamento justo, até mesmo porque ninguém ali tem certeza de que aqueles três homens são mesmos os autores do crime. Tudo é muito vago, ficando apenas em opiniões e relatos contados por quem viu as evidências mas não viu quem os praticou. O roteiro escrito por Lamar Trrotti é baseado no livro de Walter Van Tilburg Clark e é de uma excelência fora de série, focando as agonias tantos dos forasteiros em busca de uma justiça real quantos dos três suspeitos. Aliás, esse é um dos pontos altos do filme, o fato de mostrar três condenados ao linchamento, de forma bastante humana. Eles choram, se desesperam, tentam a todo custo convencer seus algozes de que não são as pessoas que cometeram o crime. Dois dos suspeitos são interpretados por dois bons atores: Anthony Quinn e Dana Andrews.
Foi indicado apenas ao Oscar de melhor filme, mas obviamente merecia todos os prêmios da época.
Aqui no Brasil esse filme tem uma força ainda maior, pois é onde mais se vê assassinos confessos que escapam ilesos depois de passarem pelas brechas da lei, enquanto ladrões de galinhas são presos e perseguidos à exaustão, ou até mesmo casos de pessoas que ficam anos acusados de crimes que nunca cometeram, e só anos depois é que são inocentados.
Consciências Mortas é um dos filmes mais fortes e contundentes da história do cinema, denunciando todo tipo de precipitação, quando se têm em jogo vidas humanas.



Nota: 5 de 5

Ttitulo original: The Ox-Bow Incident


Lançamento: 1943 (EUA)


Direção: William A. Wellman


Atores: Henry Fonda, Anthony Quinn, Dana Andrews, Jane Darwell, Mary Beth Hughes


Duração: 75 min

Gênero: Faroeste